Opinião: O ex-marido faleceu, e ela diz que é herdeira dele

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: O ex-marido faleceu, e ela diz que é herdeira dele
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Quando inicio minha conversa com ele e com ela, expresso meu sentimento de pesar pelo falecimento do irmão deles, ocorrido há cerca de vinte dias. Homem que ainda não completara quarenta anos, era forte e cheio de energia. As circunstâncias em que falecera haviam chocado a cidade. Ao tentar corrigir um defeito em uma colheitadeira de café na sua fazenda, escorregou e caiu dentro do funil da máquina. Sua roupa ficou presa, o que causou seu enforcamento.

Os dois me relatam que a família está desolada. Desde que os pais deles faleceram, esse irmão, por ser o mais velho e o mais presente, tornara-se um amparo para todos. Ajudava-os financeiramente, como também os orientava, aconselhava-os e lhes prestava apoio nos momentos difíceis. Está fazendo – e continuará fazendo – muita falta.

Contam-me que a ex-mulher desse irmão se habilitou como herdeira no inventário. Estão confusos. Se o irmão já era separado dela, por que ela está achando que herdará os bens dele? Querem entender melhor esse assunto, antes de decidirem o que fazer.

Pergunto-lhes se o irmão falecido era separado ou divorciado, e, se era apenas separado, há quanto tempo o era.

Respondem que ele era separado há um ano e meio. A ex-mulher o deixara depois de ter descoberto um casinho extraconjugal que ele teve na fazenda e após receber um não ao ultimato que ela lhe dera para se mudarem para a cidade.

O casamento durara apenas três anos. Na opinião deles, irmãos, a principal causa foram as discussões desgastantes geradas por interesses completamente diferentes. Ele, um homem que adorava viver no campo; ela, uma mulher com vocação para ser cidadã do mundo, que gostava de viajar e viver na cidade.

Antes do casamento, a família o alertou a respeito dessa diferença que saltava aos olhos, a qual poderia tornar difícil a vida a dois, mas ele pensou que, com o casamento, conseguiriam conciliar os interesses. Não conseguiram. Acreditam que o irmão logo tomaria as providências para formalizar a separação, pois tanto ele quanto ela viviam como se solteiros fossem. Porém, infelizmente, a morte chegou antes.

Explico a eles que a situação em que se encontrava o casal é chamada de separação de fato. Ocorre quando o casal se separa, mas não recorre aos meios legais para formalizar a separação. Deixa de viver como casado, mas permanece no estado civil de casado. Se o irmão e a mulher estavam separados de fato há menos de dois anos, ela é mesmo herdeira necessária dele. Herdeiros necessários são descendentes, ascendentes e cônjuge, os quais têm direito à parte legítima da herança.

Já me disseram que o irmão não deixou pais vivos. Pergunto se ele deixou filhos ou avós vivos, e se vivia em união estável com alguém. Eles me dizem que não. Como ele não teve filhos, não tem pais ou avós vivos nem tinha união estável com outra pessoa, a ex-cunhada deles será a herdeira da totalidade do patrimônio. É que o falecimento se deu antes que se completassem dois anos de separação de fato. Ela só não herdará a totalidade se ele tiver deixado um testamento, destinando a outras pessoas os 50% que não integram a parte legítima.

“Ele não deixou testamento. Nós, como irmãos, não temos direito a parte da herança?” – perguntam. Não têm. Os irmãos são herdeiros colaterais, e ocupam o quarto lugar na sucessão. Só têm direito à herança se o falecido não tiver descendentes, ascendentes nem cônjuge/companheiro.

Repito: como me expuseram, a separação de fato não completara dois anos quando o irmão deles faleceu. Nesse caso, a lei reconhece o direito da ex-mulher à herança deixada por ele.

Mesmo que, na data de falecimento, houvesse já, em andamento, um processo de divórcio, o estado civil ainda não teria mudado – a ex-cunhada seria considerada viúva e herdaria.

Esses são os aspectos que certamente a ex-cunhada trará à discussão, já que se habilitou no processo de inventário. Que saibam desde já.