Opinião: Grávida, ela foi aprovada em concurso público que exige teste físico
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)
Estamos na área de lazer da fazenda de um amigo em comum, em um finalzinho de tarde. Ela se senta ao meu lado, ajeitando o ventre que anuncia gravidez avançada. Ficamos a observar os quartetos jogando baralho, enquanto conversamos.
Conta-me que cursou Direito, tendo sempre em mente participar de concurso público, pois sabia, pela experiência do pai, como era difícil advogar. Frequentemente, via o pai angustiado com a demora dos trâmites judiciais, enquanto as contas a pagar se acumulavam sobre a mesa da casa deles. Aprendeu que a lentidão judicial imposta não se dava apenas porque a parte contrária apresentava recursos, mas também porque havia centenas de processos a julgar. Quando se formou em 2021, o Poder Judiciário brasileiro tinha mais de 60 milhões de ações em andamento. Enquanto eram concluídos cerca de 26 milhões de processos, entravam mais 27 milhões de novas ações.
Nas discussões com professores na faculdade, era comum alguém salientar a importância do tempo como oportunidade para que os procedimentos da busca da verdade se dessem de modo adequado, pois, se feitos às pressas, poderiam violar direitos e a lei processual. O cotidiano do pai a fez perceber o arrastar dos processos, mesmo quando se tratava de casos com clientes prioritários, como idosos e pessoas com deficiência. Isso tirou dela o interesse pela advocacia.
Assim, logo que finalizou o curso, dedicou-se exclusivamente aos estudos, preparando-se para concursos. Foi aprovada em alguns, mas optou por não assumir os cargos, com a vista posta em outros que despertavam mais seu interesse. Nesse meio tempo, casou-se.
Veio a notícia da primeira gravidez e, junto com essa alegria, três meses depois, foi publicado o resultado das provas objetiva e discursiva do concurso mais esperado por ela. Fora aprovada nas duas.
Na fase seguinte, teria de passar por uma prova de aptidão física, porém, como havia aspectos que estavam merecendo cuidados na sua gravidez, solicitou realizá-la depois que a criança nascesse. Isso lhe foi negado. Com a orientação de um advogado, impetrou um mandado de segurança.
É interrompida por uma pessoa que ouve nossa conversa e que quer saber o que é mandado de segurança. Explico que é uma ferramenta judicial, um meio, um remédio previsto na Constituição a ser usado quando algum direito certo nosso está ameaçado ou foi violado por uma autoridade ou órgão público.
Nossa grávida continua a nos contar sua história. Diz que o Juízo negou o pedido, alegando que não tinha direito a fazer o teste em data posterior, porque, no edital do concurso, estava escrito que não haveria possibilidade de remarcação e aplicação de qualquer etapa em data, horário ou local diferentes dos estabelecidos.
Ficou arrasada, mas o advogado a acalmou, dizendo que apelariam contra aquela decisão. Assim foi feito. Enquanto esperava a apelação ser julgada, o tempo nunca lhe pareceu tão longo. A possibilidade de perder o direito de concorrer à vaga que tanto esperara era algo que acentuava sua ansiedade e roubava seu sono.
Finalmente saiu a decisão, que lhe foi favorável, determinando que lhe ofertassem a possibilidade de realizar o teste após a liberação do médico que a acompanha na gravidez. Os fundamentos foram: não havia previsão no edital de que candidatas grávidas seriam eliminadas; ela não poderia ser impedida de prosseguir nas etapas do concurso por estar naquela condição, pois isso feriria o princípio da isonomia.
Novamente, a pessoa que ouve nossa conversa nos interrompe. Quer saber o que é princípio da isonomia. Esclareço que é o princípio da igualdade. Ele assegura que as decisões judiciais levem em conta as particularidades da pessoa. Orienta que sejam tratados igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade. No caso, a condição de grávida a fazia desigual em relação aos outros candidatos. Por isso, não seria justo aplicar a ela, que tinha uma condição peculiar, a mesma regra aplicada a quem não estava nessa condição. Seria tratar de maneira igual uma pessoa em condição desigual.
“É muito igual para o meu gosto em uma explicação só. Só vocês, do Direito, dão conta desses trava-línguas e desses trava-mentes! “ Caímos na risada, impossibilitadas de dar prosseguimento a qualquer conversa séria.