Opinião: Para um velho amigo

Anísio Cláudio Rios Fonseca (de Formiga)

Opinião: Para um velho amigo
Anísio Cláudio Rios Fonseca é professor e coordenador do Laboratório de Mineralogia do Unifor-MG




Tive o privilégio de conviver durante muito tempo com um amigo fantástico. Era mais velho do que eu uns cinco anos, o que era muito na época. Extremamente habilidoso em tudo o que fazia, era estimado por todos e alvo de constantes pedidos de ajuda. Sabia consertar de tudo. Fazia instalações elétricas, hidráulicas, serviços de pedreiro, carapina e outros tantos. Muito moleque, vivia jogando bolinha de gude e tantas outras brincadeiras de infância, e continuou fazendo isso com seus dezoito anos. Naquela época a gente aproveitava a vida pra valer. Todos gostavam dele e em todas as brincadeiras ele se sobressaia. Quando a brincadeira era de polícia e ladrão, ele sempre atingia seus objetivos, em qualquer lado da lei. Competições de tiro de chumbinho, estilingue, corrida e natação, ele sempre estava entre os primeiros. 

Sempre tive este amigo em grande conta. Sua genialidade me influenciou em muita coisa, principalmente na capacidade de improvisar. Ele chegou a fabricar uma prensa caseira para produzir chumbinhos em série; e os chumbinhos que ele fazia eram raiados. Para quem não sabe, para carabinas de pressão o chumbinho deve possuir raiamento para auxiliar em seu giro durante sua trajetória, tornando-a mais tensa e precisa. Bom, voltando ao meu amigo, havia uma coisa que me chateava. Eu nunca estava no time dele, nunca estava no mesmo lado nas brincadeiras de pique e polícia. Nunca coincidia e eu queria muito estar do mesmo lado que ele por dois motivos: Normalmente era o lado que vencia e, claro, era o lado do amigo carismático. Certo dia ele estava me dando uns conselhos porque me viu fazendo bagunça com uma turminha na rua e eu aproveitei a deixa para me queixar. Isso o deixou meio espantado porque ele me considerava habilidoso e não julgava que sua presença do mesmo lado fosse tão importante. Nesse dia ele prometeu que eu seria o primeiro a ser escolhido nas partilhas de times e coisas afins. Daí pra frente foi um arraso. Viramos companheiros de guerra e nada podia contra nós nos jogos e competições. 

Ele me ensinou muito do que sei e se hoje partilho experiências de infância é porque elas foram muito relevantes para mim e talvez sejam úteis para entreter o leitor. Foram bons anos de diversão, companheirismo e convivência familiar, mas como tudo que é bom na vida dura pouco, a doença levou meu amigo. Levou duas vezes porque a primeira notícia de sua morte estava equivocada, então, sofremos em vão. Uma chicotada, depois o alívio, depois a chicotada final. Meu amigo havia morrido. Nunca chorei pela morte de ninguém, exceto neste dia. Ouvia Beatles na hora da notícia definitiva e ironicamente ouvia a música I’ll be back do álbum A Hard Days Night. Esta música ficou na minha memória durante todos esses anos e sempre que a ouço, sinto certa nostalgia.

Sempre que estou arranjando algum imbondo, me lembro do meu amigo e, mesmo com sua falta, costumo rir sozinho das mil e uma coisas que inventávamos com coisas aparentemente inúteis e dou prosseguimento às criativas invenções e brincadeiras.