Opinião: Ninico e o Padre Dorvalino

Lúcia Helena Fiuza (de Belo Horizonte)

Opinião: Ninico e o Padre Dorvalino
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Dependendo da época, os preconceitos se renovam e ganham roupagens que tentam colocar esse ou aquele político com estigmas que o posicionam em situação pior do que a média da sociedade. E em todos os tempos são identificadas questões ligadas à intolerância religiosa.

Era o ano de 1976 e papai, Seu Coló, entrou com tudo na campanha de Ninico, que viria a ser o primeiro político oriundo de classes populares a conseguir o intento de ocupar a chefia do Poder Executivo de Formiga. Fui a vários comícios, mas teve um que me marcou profundamente, foi no distrito de Pontevila.

Morador do Bairro do Engenho de Serra, Ninico, que era vereador, mantinha um super-ultra-pequeno estabelecimento comercial, uma espécie de minimercearia onde ele vendia, além de torresmo e cachaça, velas e defumadores para “trabalhos”. Foi aí que a elite religiosa e atrasada de Formiga deu de espalhar que ele era um feiticeiro, um verdadeiro macumbeiro (como se isso classificasse ou desclassificasse alguém) e que, por isso, ele não poderia ser eleito. Seria uma vergonha pra cidade.

Muito inteligente, Ninico acabou utilizando o preconceito a seu favor e passou a utilizar a música “Macumbeiro” de Cláudio Fontana a seu favor. A canção, grande sucesso na época, dizia: “Não mexe comigo que eu ponho o seu nome lá no meu terreiro… Eu sou macumbeiro lê, rê… Eu sou macumbeiro lê, rê…”.

A campanha de Ninico acontecia de maneira apaixonante, até que foi marcado um comício para a tarde de um domingo em Pontevila. Coincidentemente, o vigário da Paróquia da Chapada, um padre chamado Dorvalino, deu de marcar missa na comunidade para o mesmo horário. Lembro-me que ele tinha acabado de chegar a Formiga e que fumava muito.

Pontevila ficou lotado e Ninico resolveu esperar a missa acabar para dar início aos discursos. Um caminhão que servia de palanque foi estacionado atrás da igreja.

Enquanto o padre fazia a celebração, Ninico e seus correligionários foram tomar uma cervejinha gelada na venda do Joaquim, que ficava na praça. Começou a missa e Zé Silva, um amigo de confiança de Ninico, chegou correndo contando que o Padre Dorvalino estava fazendo campanha contra ele na missa, estava aos gritos dizendo que católico não poderia votar em macumbeiro de jeito nenhum e que o macumbeiro estava se “enchendo de pinga na venda do Joaquim”.

O clima esquentou. Lembro-me de que Ninico, um médico chamado Doutor Ênio, o Zigão da Casa Cruzeiro, meu pai e vários outros correligionários foram para a sacristia esperar o padre acabar a missa para reclamar. Foi tenso, mas, muito habilidoso, Ninico “convenceu” o religioso de que ele era do bem. “Convencido”, o padre acabou se desculpando e nunca mais falou de política durante suas missas.

Passados anos, fiquei sabendo que Ninico e o Padre Dorvalino se tornaram grandes amigos. Quando ele foi transferido de Formiga para uma paróquia em outra cidade, quem o levou foi o José Rosinha, motorista da Prefeitura. Detalhe: com toda pompa no confortável carro do gabinete do prefeito.