Opinião: Coisas que deveria ter dito
Anísio Cláudio Rios Fonseca (de Formiga/MG)

Ah, mas que droga! Estou remoendo os mesmos pensamentos de novo. Quantas vezes as palavras de amor ficaram presas em meu peito, causando profunda dor porque queriam sair, mas eu as impedi por medo de ser rejeitado e ridicularizado? Pensei que não era adequado e que ia ser visto como um pobre palhaço que tentou ser engraçado ao pisar em um terreno que era bom demais para ele. Amuado, engoli tantas dessas palavras que elas acabaram intoxicando meu ser e me mergulhando em profunda melancolia. Passei a viver em dois mundos, onde um deles era a fria realidade e o outro apenas uma visão distante do que eu poderia ser ou ter. Abaixei a cabeça porque não quis sofrer e nem despertar ódio e desdém das fantásticas visões que permeavam uma realidade que eu não podia viver. Acabei me tornando uma versão pós-moderna de Hans Christian Andersen, numa síndrome de “O patinho feio”. Com graves desencontros amorosos no currículo, nunca consegui ver nada de excepcional ou importante nas coisas que fiz. Parece que minha vida depois disso se baseou em irrelevâncias que acabaram por virar uma bola de neve. Cicatrizado pelo tempo, penso nisso numa lanchonete, onde degusto meu café num dos meus raros momentos de prazer. Encontro ali duas aparições que fizeram parte do meu passado e que amei profundamente. Elas não sabem disso porque nunca me expressei, devido aos meus medos e traumas. Lílian, ah, a bela Lílian trabalha perto de meu escritório e foi meu primeiro amor. Sempre estivemos próximos, embora eu desejasse mais. Ela me cumprimentou com um sorriso diferente, o qual acabou removendo parte das cinzas que cobriam os restos do meu fogo juvenil. Pensei por um instante que, se tivesse dito a ela o que tinha para dizer, não estaria sozinho hoje, não teria sido maltratado, não estaria sem família, sem filhos para brincar, sem um jardim para cuidar. Ela se casou e sofreu violências absurdas sem parar, até que se livrou de seu carrasco. Depois que rompi com minha noiva, acabei morando em uma pensão que meu dinheiro paga com bastante folga. Não tenho namorada, quase não saio e a televisão é minha maior companheira. Acendo um cigarro à noite, para jogá-lo fora logo depois. O cheiro da fumaça me irrita e lavo as mãos e o rosto abundantemente, mas ainda assim gosto do ato de acendê-lo. Escuto um casal brigar na rua por ciúmes e penso que isso não vai dar certo. Abraço meu travesseiro e penso nas outras mulheres que não conquistei porque me calei. Durmo sem culpas e meu sono é estranho como um lago cinza parado na penumbra; nem nenhum movimento. É belo e suas águas parecem um espelho de tão paradas. Como fazia Narciso, me olho em suas águas e, para meu espanto, vejo que envelheci rapidamente. Tive uma vida sem sentido, travada pela solidão e o meu algoz, o tempo, cobra sua parte. Olho novamente e não vejo mais a minha imagem. É como se eu nunca tivesse existido. Uma figura espectral aparece tremeluzente sob as águas. Será a morte? Acordo repentinamente como tantas outras vezes. O telefone sobre a cômoda desperta uma idéia meio absurda que criou força nas últimas semanas. São três da manhã, mas arrisco ligar para a casa dela. Como eu, ela agora está só, espero, logo, que mal pode haver? A voz meio rouca do outro lado pronuncia apreensiva algumas palavras. Um telefone tocando de madrugada pode ser assustador! Mordo meu lábio inferior e faço menção de desligar o telefone, mas talvez seja minha última chance na vida. Temeroso, identifico-me e não sou rejeitado como achei que seria, mesmo com o avançado da hora. Tomada pela estranheza e curiosidade, ela quer saber o que eu quero. Anestesiado pelas circunstâncias, digo em alto e bom som que a amei desde o primeiro dia em que a vi. Minha pele queima e suo miseravelmente, mas, de cravos que me crucificavam, estas palavras me libertam e fluem como perfume na brisa. Livre da prisão caio de joelhos com as mãos suadas. Meu espírito se eleva. Alguns segundos de silêncio e depois ruídos que interpreto como sorrisos. Depois dos comentários sobre minha iniciativa, ela diz que quer me ver amanhã. Despeço-me com o coração descompassado e abraço meu travesseiro com ares de alegria. Rio da minha coragem. Acendo meu cigarro com um ânimo que nunca experimentei e degusto sua essência até o fim. Custo a dormir novamente, pois, depois de tanto tempo, sei que o amanhã me reserva muito mais que um costumeiro dia triste e cinza...