Cronicando: Boa morte
Robledo Carlos (de Divinópolis)

De certo não morri hoje. Todavia pensava que de hoje eu não escaparia. Meu estado era grave, grave não, gravíssimo.
Dia tenso, cheio de tudos e nadas. Um dia a mais de portas entreabertas, de salas vazias e de muita gente morta.
Faço a barba hoje à noite, preciso estar bem disposto para a minha morte de amanhã.
É certa.
Gosto mesmo é da noite. Compreendi toda a minha angústia e insônias que tive. Quanto tempo perdido. Quantas noites mal dormidas dispensei e não pude compreendê-las.
Hoje à noite eu nasço. Compreendi que é à noite que nasço. A noite sempre me vem, femininamente voraz, sedenta e sem escrúpulos. A noite é uma puta que agrada e vai embora traindo com o sol. A noite é meu êxtase, nos damos muito bem com latidos de viralatas, com passadas nas calçadas e cantos apaixonados de bêbados. Os galos que cantam bem ao amanhecer, anunciam a minha morte.
A noite é minha, o dia é da morte, ininterruptamente nessa sequência, hoje ela virá, me faz esquecer que triste eu morro, com insônias vivo.