Opinião: O apartamento foi financiado pelos dois, mas só ele pagou a entrada

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: O apartamento foi financiado pelos dois, mas só ele pagou a entrada
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Os dois me pareciam formar um casal harmonioso e afinado. Haviam namorado por cinco anos, trilhando, passo a passo, o estreitamento da relação e preparando o caminho para o casamento. Soube que, ainda noivos, conseguiram financiar o apartamento onde iriam viver depois de casados. Admirei isso neles. É muito bom quando os casais de namorados e noivos trabalham juntos para construir uma base material para facilitar a vida a dois. O ditado “Quem casa quer casa.” tem sua razão de ser.

Após o casamento, mantiveram sua rotina social do tempo de solteiros. Estavam sempre juntos no clube, nas festas da cidade, nos compromissos sociais e ações beneficentes. Por tudo isso, quando soube que haviam decidido separar-se, fiquei surpresa e consternada.

Quando o vejo entrar no meu escritório, deduzo que vem falar sobre a separação. Logo confirmo que é mesmo esse o assunto e, infelizmente, também de modo imediato, percebo que a afinidade e a harmonia que havia entre os dois se extinguiram, como é comum ocorrer nos términos dos relacionamentos. Esses términos nem sempre primam pela cordialidade e respeito. Apagam-se todos os bons momentos vivenciados, prevalecendo o desgaste, as mágoas e a rispidez.

Ele está sofrendo, não há dúvida. Reconhece que tem sua parcela de culpa quanto aos rumos que seu relacionamento foi tomando. Não deu importância ao que ela, tantas vezes, expressou sobre o fato de que ele não a ouvia, sobre seu pouco envolvimento na resolução das questões relativas ao lar deles, sobre impor a ela uma responsabilidade maior do que a dele quanto às coisas funcionarem adequadamente na casa.

Conta-me que ela lhe falava bastante sobre a disparidade entre o que socialmente se espera de um homem e de uma mulher. Dizia que, embora a mulher tivesse alcançado sua autonomia, continuava a lhe ser imposta uma tripla jornada de trabalho. Ela tinha de responder a expectativas que geravam estresse, afetando o relacionamento. Durante os primeiros meses de casamento, ela julgou ser possível conciliar as jornadas, mas o fato é que, pouco a pouco, isso foi repercutindo na qualidade do relacionamento do casal.

Ela lhe dizia que é difícil para qualquer mulher estar impecável, perfumada, disposta a uma noite de amor, depois que se dá conta de que a carga que pesa sobre ela é pesada: trabalhar fora o dia todo, chegar a casa e ter de preparar o jantar, colocar as roupas na máquina de lavar, limpar o piso sujo da cozinha (Parece que apenas ela vê a sujeira...), completar a água da jarra deixada vazia na geladeira, e tantas outras pequenas atribuições que os homens nem percebem que desempenha diariamente...

Ele diz que, evidentemente, não foi apenas isso que levou à separação, mas certamente contribuiu para muitas conversas e cobranças desgastantes. Aos poucos, o encanto e o gosto por estarem juntos foram-se perdendo. Quando se deram conta, pareciam dois estranhos.

Sua dúvida é quanto ao que ela conversou com ele sobre os bens a partilhar. Casaram-se pelo regime da comunhão parcial de bens. Sabe que tudo o que os dois adquiriram após o início do casamento e durante ele deve ser partilhado meio a meio. Ela quer que o apartamento financiado por eles seja partilhado assim, mas ele discorda.

Pergunto por que discorda, e ele me explica que o contrato de compra e venda do imóvel foi firmado antes do casamento e que foi ele quem pagou o sinal de entrada. À época, seis anos atrás, ele pagou sozinho a quantia de 45 mil reais como entrada para a aquisição. 

Explico-lhe que o imóvel tem de ser partilhado, sim, mas se partilhará apenas o valor das parcelas que foram quitadas durante o casamento. Ele só não será partilhado se puder comprovar que foi adquirido apenas com recursos do seu FGTS, de indenizações trabalhistas ou outros recursos só dele.  Quanto ao valor de 45 mil reais pago apenas por ele como sinal para entrada no financiamento, não será partilhado. Esse valor pertence a ele. Sobre esse valor será aplicada correção monetária desde a data em que foi desembolsado.

Ele antevê que a conversa com ela será difícil, pois está certa de que tem direito à metade de tudo. Coloco-me à disposição para explicar-lhe a partilha. Acredito que ela saiba da minha isenção e reaja de modo razoável à explicação. Além disso, pelo que sei, não é uma pessoa focada em obter vantagens à custa de outro.

Assim ficamos combinados.