Opinião: Irmã Sayonarah

Ana Pamplona (de Formiga)

Opinião: Irmã Sayonarah
Ana Pamplona é membro do Coletivo Poesia de Rua




Sexta-feira de novo e Sayonarah(*) voltava para casa dentro de um ônibus lotado. Por sorte conseguiu pegar o último lugar vago que havia sobrado. Ficara a semana inteira na casa da patroa tomando conta das crianças enquanto ela viajava com o marido.
— Sayonarah, fica com Deus, quando eu chegar da China vamos aumentar seu salário! — D. Jaciara disse isso dando adeus com a mão e batendo a porta da sala apressada. E foi para a China fazer compras de materiais para suas lojas chiques.
“Como a vida passa rápido, meu Deus”! — pensou Sayoranah enxugando as gotinhas do suor anormal que brotava de sua testa e por todo o corpo. “Mal a gente pisca, a semana acabou. E essa suadeira? Esse mal-estar? O diabetes, até que está controlado... Ôh vida besta, meu Deus, será o demônio da menopausa? “ Bateu três vezes na boca. “Precisava consultar um médico sobre isso e”... Seus pensamentos foram interrompidos por um barulho ameaçador atrás dela: um grupo de quatro homens havia entrado no ônibus, dois por trás, dois pela frente. Estavam encapuzados, bem armados e gritavam:
— Assalto! Isso é um Assalto! Todos quietos! Quem falar ou mexer leva bala! Passem os celulares, carteiras, relógios e joias!
Os assaltantes iam passando rapidamente, recolhendo os objetos, enquanto um deles sentou-se no chão, ao lado do motorista com a arma em sua cintura, dizendo-lhe:
— “Amigão”, continue a dirigir sem parar nos pontos, sem reagir, senão eu atiro.
O trocador já estava amarrado a essa altura. Os passageiros, assustados, eram duramente repreendidos a qualquer sinal que faziam com os braços ou cabeça. Sayonarah estava paralisada. O suor agora, escorria caudalosamente. Tremia feito vara verde. Pensava, “ôh, demônio de menopausa, demônio de bandidos, demônio de sexta-feira”! Bateu de novo na boca. Começou a se perguntar porque falava tanto no demônio. Tinha certeza que não era bom evocar o coisa-ruim. O padre havia dito isso na Igreja: quanto mais falamos o nome dele, mais coisas ruins aparecem pra gente. Provável fora isso que atraiu os bandidos. Certeza.
Enquanto os bandidos continuavam a peleja do assalto, a tensão aumentava dentro do ônibus e ela teve muito medo de morrer. As pessoas gritavam e os assaltantes gritavam mais e batiam nelas. A situação estava crítica por causa de uma criança que estava berrando. Sayonarah fechou os olhos e rezou pedindo a Deus para a criança calar. E também pediu para o Senhor protegê-la. Acrescentou todos os passageiros, o trocador e o motorista. “Muito importante o motorista, imagina se o bandido atira na cabeça dele, o que seria de todos ali”? pensou... Não, não era bom nem pensar. Morrer ali seria muito ruim. Ainda mais agora que ela havia iniciado um relacionamento promissor. A lembrança do Romeo a animou. Fechou os olhos e rezou com mais força agora. Deixou o pensamento vagar... até relaxar um pouco. Demorou a sentir o cutucão no seu ombro. Abriu os olhos assustada, era um dos bandidos falando com ela:
— Moça? Você é a irmã Luiza? A que benze? Aquela que faz orações fortes na igreja da Senhorinha?
Sayonarah balançou a cabeça, confusa e balbuciou:
— Ãhnn? Irmã Luiza? Uai, não, eu sou a...
— É você sim! Você pode me dar uma bênção? Sua reza é milagrosa e eu estou precisando demais! — o rapaz disse isso já se ajoelhando aos pés dela.
Sayonarah ficou pensando se tinha alguma opção nesse caso. Se rezasse sobre o rapaz, ele se fortaleceria e continuaria roubando. Se não rezasse era bem possível que iria levar uma bala na cabeça... “Vida besta, meu Deus”, pensou. Seria melhor então fazer a reza, mesmo que não fosse a tal irmã Luiza milagreira...
Enquanto isso, os outros bandidos tentavam arrancar o rapaz do ônibus, sem sucesso. Precisavam sair rápido, pois, o cúmplice deles, possivelmente, já estaria esperando o grupo, posicionado numa das esquinas à frente. Mas nada demoveu o bandido do lugar.
Então, Sayonarah fechou os olhos e impôs as mãos sobre o sujeito, orando em voz alta com bastante fervor. E todos no ônibus permaneceram quietos, em reverência, inclusive a criança que antes chorava.
Terminada a cerimônia inusitada, Sayonarah abriu os olhos e disse, dirigindo-se ao seu tutelado:
— Vai com Deus... mas o meu nome é Sayonarah...
O bandido disse, “amém, Irmã Sayonarah”, beijou as mãos dela com adoração e saiu correndo dali com os companheiros, enquanto os ocupantes do ônibus a encaravam estupefatos.
Ela orou agradecendo a Deus e pensou: “ôh, vida besta”...
(*) Conheça a história de Sayonarah na edição 6.512 de 07/01/24 de O Pergaminho, ou no livro da autora, PROESIAS.