Opinião: O INSUPERÁVEL GUARDA-CHUVA
Frei Betto (de São Paulo/SP)

O veloz avanço da tecnologia, graças ao impulso da ciência, nos surpreende a cada dia. Quando se pensa que o ChatGPT é a última palavra em inteligência artificial, os chineses “presenteiam” a posse de Trump, em 20 de janeiro, com o DeepSeek, mil vezes mais barato e veloz, o que produz grandes perdas financeiras para as corporações estadunidenses de IA.
Minha geração, nascida na década de 1940, viu a tecnologia transformar o mundo de modo admirável. Na casa de meu avô materno, conheci o telefone de manivela. Criança, eu subia em um tamborete para alcançar o bocal. Quando na adolescência eu poderia imaginar, frente ao telefone de disco na copa de casa, que um dia eu traria no bolso da camisa um aparelho, chamado celular, que desempenha múltiplas funções, de telefone a computador?
Sim, este é o admirável mundo novo, diria Huxley. Apesar de o capitalismo ter se apropriado de quase todas essas inovações, ferramentas para alavancar o mercado, e não para melhorar a nossa humanização como espécie inteligente.
Há, porém, um utensílio imprescindível ao sairmos à chuva e que, até hoje, não sofreu alteração substancial: o guarda-chuva. É incômodo carregá-lo, não resiste à ventania, não impede que, de alguma forma, sejamos molhados e, com frequência, a estiagem nos induz a esquecê-lo em algum canto.
Sua origem é muito antiga. Registros de 4 mil anos comprovam a existência de dispositivos semelhantes ao guarda-chuva no Egito, na Mesopotâmia e na China. Versões rudimentares foram encontradas na Índia, usadas principalmente para proteger as pessoas do sol.
Por volta do século XI a.C., os chineses já usavam guarda-chuvas de seda e papel impermeabilizados com verniz. Símbolos de status como, hoje, um relógio Rolex.
Na Grécia antiga e no Império Romano, as mulheres usavam para se protegerem do sol. Daí o nome de sombrinhas. O uso por homens veio a se popularizar na Europa no século XVIII, graças a Jonas Hanway, escritor inglês conhecido por descrever suas viagens e se opor ao comércio de escravos.
O atual guarda-chuva (até agora insuperado), com mecanismo dobrável e varetas de aço, foi patenteado em 1852 por Samuel Fox, empresário britânico do ramo siderúrgico.
O guarda-chuva conquistou as telas de cinema. Quem não se lembra da clássica cena de Gene Kelly em Cantando na chuva (Singin’ in the Rain, de 1952)? Aliás, a “chuva” era jorro de água misturada com leite para produzir mais brilho. Em Os Pássaros (1963), de Hitchcock, figurantes usam guarda-chuvas para tentar se proteger dos ataques das aves.
Em Mary Poppins (1964), Julie Andrews voa com seu guarda-chuva mágico. Em Blade Runner – o caçador de androides (1982) a chuvosa e futurista Los Angeles exibe guarda-chuvas com luzes neon. Em Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001), Hagrid usa um guarda-chuva rosa como varinha mágica disfarçada. No encantador curta-metragem O guarda-chuva azul (2013), este imprescindível protetor e uma sombrinha vermelha se apaixonam em uma cidade chuvosa. E no recente La La Land(2016), os personagens dançam em um parque exibindo guarda-chuvas coloridos.
Outra peça da mesma família do guarda-chuva, que também não admite (até agora) avanço tecnológico, é a palheta ou limpador de para-brisa. Pode ser o carro mais sofisticado, lá estão os grampos percorrendo os vidros sob a chuva.
O ser humano é muito pretensioso. Não consegue inventar algo mais prático e eficiente que o guarda-chuva e, no entanto, quer se apropriar de outros planetas e encontrar o elixir da eterna juventude. E, de quebra, o da imortalidade. Deus deve estar rindo de tanta empáfia!