Opinião: Conexão Maracutaia - cap. 2/4

AC de Paula (de São Paulo)

Opinião: Conexão Maracutaia - cap. 2/4
AC de Paula é dramaturgo, poeta e compositor




Seus caminhos se cruzaram com os de Shirley Anjo da Noite, mulata deslumbrante, sedutora garota de programa, segundo grau incompleto, 22 anos, corpo escultural, cabelos longos olhos de esmeraldas, filha única de uma dançarina de boate quase tão linda quanto ela. Não conheceu o pai, um gringo de quem nem mesmo a mãe sabia o nome, aliás, não sabia absolutamente nada a não ser que ele era um marinheiro louro, alto, falava muito enrolado, e tinha os olhos verdes, assim como eram verdes as notas de dólares que recheavam a sua carteira. Shirley era a lembrança viva daqueles três dias de intenso prazer.

Aos 15 anos foi eleita Rainha do Colégio e Madrinha da Bateria do Grêmio Esportivo Recreativo e Cultural Escola de Samba Fina Flor da Maracutaia. Em pouco tempo estava posando para fotos e participando de filmes eróticos que eram comercializados no exterior, o que para a sua sorte lhe garantia preservar a sua imagem perante a vizinhança. O primeiro homem da sua vida havia sido exatamente o dono da produtora de vídeos, por quem ela realmente se apaixonou até descobrir que literalmente, havia quebrado a cara.

Raimundo a conheceu em uma das casas noturnas de propriedade do então seu patrão doutor Pedro Caio e passou a ser seu cliente habitual, muitas das vezes, como ninguém é de ferro, descansando em seus braços após uma maratona amorosa, a fazia de confidente, e assim Shirley era praticamente a única pessoa à saber de coisas que ninguém deveria saber.

Shirley tem plena consciência da sua beleza e sabe como poucas despertar paixões como a do doutor Solano, advogado honesto e moralista que vive tentando em vão a carreira política e desconhece por completo as atividades paralelas da namorada que, durante o dia trabalha como manicure no salão de beleza de Benê Black, cabelereira especializada em cortes e penteados afros e que tem um caso com Bonfim, um corretor de imóveis, que vive sonhando em fechar o grande negócio da sua vida e resolver de uma vez por todas os seus problemas.

Shirley vive um conflito de personalidade, mas, é discreta o suficiente para não levantar a mínima suspeita sobre a sua conduta, nos braços do doutor Solano ela é a gatinha manhosa, sensível, carinhosa e carente, desejosa de viver um grande amor. Nos braços de Raimundo e de outros, ela é a pantera selvagem e indomável, voraz, feroz, sensual que deseja apenas se consumir no fogo de qualquer instante de sexo passageiro e sem compromisso e cravar na sua presa suas afiadas garras. Não faz programa apenas pelo dinheiro, às vezes pensa sinceramente em se dedicar apenas ao namorado, mas a fogueira do desejo de viver novas e passageiras emoções transforma esse pensamento em cinzas. Então, surge na estrela do seu olhar um brilho de luxúria e sedução, e por trás de cada sorriso, de cada gemido, ela vai sufocando qualquer sentimento, querendo apenas viver aqueles momentos. Quem a conhece das quebradas da noite não pode jamais imaginá-la como a manicure bonita, discreta e charmosa do salão de Benê Black. continua