Equilibrando nas linhas do trem
Robledo Carlos (de Divinópolis)

Gosto é de caminhar sobre os trilhos em equilíbrio distante no vagão de sonhos que arrasto.
Tenho medo de ser surpreendido por um trem qualquer.
Sou trem, gosto de sair por aí, apitando e arrastando os pés sobre o brilho dos trilhos, o vento raspando a minha cara que cheira fumaça e com gosto de óleo queimado na garganta.
O fio do telégrafo coalhado de andorinhas em bizarros trinados em fervura de acasalamentos, nem se assustam comigo, não me veem, preocupados demais com o canto e as conquistas de uma fêmea.
Atrevidas de não notarem a presença desse trem cargueiro que passa, uma boa e certeira pedrada que estrala no velho poste enferrujado e espalho a todas, faltaram com o respeito com o meu trem.
A pedra me suja a mão de óleo diesel, será que o trem chora? Deve ser saudade, são muitas estações que ele visita, deve ter muitos amores ao longo do trecho.
Prefiro pensar que ele chora do que pensar que ele mija.
O dormente carcomido e pregado com prego torto e pesado, acorda com o barulho de trem que faço. Em outros, eu sou um foguete que dá rasantes sobre os trilhos e as pedras que não rolam, apenas suportam o peso, todas sem limo.
Perto do velho casebre em escombros, aceno para os moradores que já partiram e não levaram o pé de limão capeta, carregadinho. Ainda na curva, dou um longo apito, é só mesmo para que eles não se esqueçam de mim.
Assusto o calango verde que esquenta no trilho, nunca vi um calango maduro. Ele foge em disparada parecendo pisar em chão quente e eu corro atrás dele. É sempre assim que saio dos trilhos e entro na linha.